Deus parte II: A providência divina
O
estudo foi desenvolvido a partir de algumas questões que não haviam sido
completamente respondidas na semana anterior. Ao discutirmos os atributos
divinos, havíamos questionado a validade de características (ausentes na
Codificação, porém trazidos ao estudo para debate) tais como onisciência e
onipresença divinas. Estes “atributos” não muito ortodoxos geraram reflexões
acerca da atuação de Deus no mundo, isto é, do funcionamento da providência
divina. Pois, de acordo com Kardec “A providência é a solicitude de Deus para
com as suas criaturas. Ele está em toda parte, tudo vê, a tudo preside, mesmo
às coisas mais mínimas. É nisto que consiste a ação providencial.” (Gênese,
Cap2, Item 20)
Questionando-nos
sobre a possibilidade de Deus intervir ativamente no mundo (fato que, em uma
primeira análise, parece ser sugerido pelo conceito de providência divina) foi
apresentada a seguinte analogia: nós, a Criação como um todo, seríamos como
peixes no oceano. Todo movimento dos peixes é captado, “percebido” pelo oceano
no qual eles estão imersos, sem que se confundam com ele. Essa analogia se
aproxima da apresentada por Kardec:
“quer o pensamento de Deus atue diretamente,
quer por intermédio de um fluido, para facilitarmos a compreensão à nossa
inteligência, figuremo-lo sob a forma concreta de um fluido inteligente que
enche o universo infinito e penetra todas as partes da criação: a Natureza
inteira mergulhada no fluido divino. (...) Nenhum ser haverá, por mais ínfimo
que o suponhamos, que não esteja saturado dele. Achamo-nos então,
constantemente, em presença da Divindade; nenhuma das nossas ações lhe podemos
subtrair ao olhar; o nosso pensamento está em contacto ininterrupto com o seu
pensamento, havendo, pois, razão para dizer-se que Deus vê os mais profundos
refolhos do nosso coração. Estamos nele, como ele está em nós, segundo a
palavra do Cristo.” (Gênese, Cap 2, Item 24)
Deus
é onipresente, ou seja, está em todos os lugares,
porém não se confunde conosco – pois isso levaria a um Panteísmo, em que cada
ser seria uma parte de Deus, assim como a uma materialização da idéia de Deus.
Não há lugar em que ele não esteja e, portanto, nada do qual não esteja ciente.
Esta onisciência, porém, não implica prever as ações humanas e tolher seu
livre-arbítrio, visto que se exerce apenas no momento presente, e não rumo ao
futuro. Foi levantada, ainda, a dificuldade de relacionar Deus com estes
conceitos temporais, visto que ele está fora do espaço-tempo, fora de nossa
realidade. Deve, assim, existir uma série de atributos divinos fora do alcance
da nossa compreensão.
Retornamos
a uma discussão dos seus atributos, na qual foi aventado que sua justiça e amor
seriam a própria essência divina, atributos máximos dos quais derivaria todo o
resto (como no estudo passado havíamos falado da perfeição). Viu-se a necessidade
de um terceiro conceito para exprimir a fusão destes dois que conhecemos. Foi
levantada então a impropriedade da noção de justiça do senso comum, trazendo-se
o conceito de “justiça restaurativa”, que seria mais próxima da divina, por buscar
proporcionar ocasiões de reparação e aprendizado, baseada na responsabilidade e
na restauração dos traumas e lesões produzidas pelo crime, e não simplesmente
na punição.
Retornando-se,
a partir daí, à questão da atuação de Deus, concluímos que Ele não perdoa, pois
perdoar significa ter antes se sentido ofendido, ou seja, ter sentimentos ainda
não depurados, relacionados ao orgulho. Mais que isso, concluímos que Deus
tampouco atende preces, julga, ouve ou conforta: pois Deus não conjuga verbo. Lembramos que, devido ao imaginário cristão
que compartilhamos com católicos e protestantes, acabamos sempre partindo de um
Deus antropomorfo, com caracteres humanos, para negar esta humanidade e tentar
chegar a um Deus “mais divino”. Foram evocadas, então, noções menos humanizadas
de Deus:
1)
O conceito grego, pré-socrático, de Kósmos, que seria o princípio
ordenador da realidade, a lógica que a tudo regeria. 2) A Força (da trilogia de
ficção científica Star Wars) que possui esse mesmo caráter de ordenação da
realidade, porém que traz também uma noção de “estar em equilíbrio com a Força”,
associada à compreensão do funcionamento e do porquê das coisas. Fica assim,
mais evidente a compreensão de Deus como “inteligência suprema, causa primária de
todas as coisas”. (Livro dos Espíritos, Cap 1, questão 1)
Nossa
conclusão sobre o funcionamento da providência divina retomou o item 8 do capítulo
2 da Gênese: espíritos já depurados alcançam a compreensão de Deus e do
funcionamento da Criação, passando a colaborar com ela e a agir como ministros
divinos, realizando todas as ações que atribuímos à providência divina: atender
preces, proporcionar situações de aprendizado e velar pela Criação em geral.
Assim, temos um Deus que não executa ações humanas, mas que não deixa de ser
todo amor, pois nos garante, pelo funcionamento de suas leis, proteção, amparo
e assistência constantes.
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